quarta-feira, 24 de março de 2010

José Luiz Peixoto



Perguntou-me o que é que eu escrevia nos livros. Respondi-lhe que me escrevia a mim. Escrevo-me. Escrevo o que existo, onde sinto, todos os lugares onde sinto. E o que sinto é o que existo e o que sou. Escrevo-me nas palavras mais ridículas: amor, esperança, estrelas, e nas palavras mais belas: claridade, pureza, céu. Transformo-me todo em palavras.

in Uma casa na escuridão

domingo, 21 de março de 2010

Rolha de vinho



Conscientemente e aos poucos
Vivo cada dia
Um de cada vez
Atribuio pequenas missões
Cumpro todas suavemente
Trago de volta a alegria
A generosidade
A leveza
A prática do bem
Valorizo a simplicidade e o que se tem
Foco na existência e não na ausência
Observo os detalhes
As pequenas coisas
Me orgulho das conquistas
Batalho pelos sonhos
Foco no que importa
Verdadeiramente presente
Começo do começo
Tiro a poeira da vida
Removo a sujeira do coração
O lixo do corpo
A cegueira da visão
Coloco tudo no seu devido lugar
Tiro as teias de aranha dos neurônios e do teto
Alimento a alma
Cultivo as amizades
Aprecio a música
Exercito a dança
Alivio o pranto
Esvazio espaços
Preencho outros
Penduro ganchos para as toalhas
Mudo quadros de lugar
Quebro a rotina
Junto com ela os padrões
Adquiro novos hábitos
Me liberto de outros
Mudo os caminhos
Esqueço as ilusões
Conquisto perdões
Replanto flores
Adubo a terra
Adequo os espaços e abro janelas
A brisa vai entrando fresca
Suavizando o calor do momento
Trabalho forte
Lambo os cortes
Cicatrizo as feridas
Cada um no seu tempo
No seu desenvolvimento
Espero a cura
O tato
Estar contigo
Um novo contato
Rolha de vinho
Companhia e um bom prato

Paula Poc
Foto: Tiago Sormani
21/3/2010

sexta-feira, 19 de março de 2010

Rainer Maria Rilke


Basta... sentir que se poderia viver sem escrever para não mais se ter o direito de fazê-lo. Rainer Rilke

domingo, 14 de março de 2010

Abraham Abulafia


“Limpa tuas vestes e, se possível, que todas as peças de roupa sejam brancas, pois isso ajuda a conduzir o coração ao temor de Deus e ao amor de Deus. Se é noite, acende muitas luzes, até que tudo fique claro. Toma então em tuas mãos a pena, tinta e uma mesa e lembra que estás destinado a servir a Deus na alegria do coração. Agora começa a combinar umas poucas ou muitas letras, a permutá-las e combiná-las até que teu coração se aqueça. Então atenta para os movimentos delas e para o que podes extrair delas ou movê-las. E quando sentires que teu coração já está aquecido e quando vires que pelas combinações de letras podes apreender novas coisas que por ti próprio ou pela tradição humana não terias como saber e quando portanto estiveres preparado para receber o influxo do poder divino que flui para o teu interior, então põe todo o teu pensamento mais verdadeiro a imaginar em teu coração o Nome e Seus anjos exaltados como se eles fossem humanos sentados, ou em pé, à tua frente”.

sábado, 13 de março de 2010

Fernando Pessoa


"Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto. De resto, com que posso contar comigo? Uma acuidade horrível das sensações, e a compreensão profunda de estar sentindo...Uma inteligência aguda para me destruir, e um poder de sonho sôfrego de me entreter...Uma vontade morta e uma reflexão que a embala, como a um filho vivo..."

aguando a plantinha


Os seres humanos são como as plantas. Basicamente são iguais, mas cada uma precisa de um determinado clima, uma quantidade certa de água e etc para melhor se desenvolver.
Nós humanos também somos parecidos, mas cada um tem lá suas preferências. Cada um de nós se cuida e gosta de ser cuidado de uma forma específica.
A diferença entre os humanos e as plantas é que elas não são capazes de falar. Elas não nos dizem como gostam de ser cuidadas. Temos que observá-las, dia à dia, e perceber do que elas mais gostam.
Se não tivermos sucesso em percebê-las, as nossas plantas podem sofrer graves consequencias, e até morrer.
Com minhas plantas tenho sido mais atenciosa, mais observadora, pois não quero mais ser negligente e leviana com vidas.
Quanto às pessoas, tenho maior dificuldade em perceber suas necessidades. Me conheço bem, sei das minhas, mas perceber a necessidade do outro ainda me é desafio.
A vantagem é que as pessoas, diferente das plantas, têm a capacidade da fala.
Pensando assim, a gente deve ensinar aos outros como gostamos de ser cuidados?
Ou devemos ser mais como as plantas, aceitando as intempéries do tempo e aceitando o destino?
Num tenho a resposta certa, mas sei que o que mais quero é aprender a cuidar de ti, te fazer feliz.
Me ensina a cuidar de ti, que te ensino a cuidar de mim.

paula poc
foto: paula poc

domingo, 7 de março de 2010

Guimarães Rosa


Quando escrevo, repito o que já vivi antes. E para estas duas vidas, um léxico só não é suficiente. Em outras palavras, gostaria de ser um crocodilo vivendo no rio São Francisco. Gostaria de ser um crocodilo porque amo grandes rios, pois são profundos como a alma de um homem. Na superfície são muitos vivazes e claros, mas nas profundezas são tranquilos e escuros como o sofrimento dos homens.

João Guimarães Rosa

quarta-feira, 3 de março de 2010

migalhas


não convivo bem com metades
não me interesso por migalhas
nem por semi entregas
não quero corações partidos
nem divididos
dispenso um passado mal resolvido
mal sentido
mal vivido
me abstenho de reservas e omissões
opto por transparência e opiniões
se for para se entregar
que seja por inteiro
companheiro e parceiro
de todas as horas e momentos
nos melhores e piores sentimentos
não quero saber de egoísmo
de egocentrismo
de hedonismo
ou solidão
quero te sentir inteiro
verdadeiro
sem ressalvas ou divisões
quero te sentir por dentro
desprovido de medo ou razão
quero te enxergar como eu
em plena rendição

Paula Poc
Foto: Paula Poc

guerra dos sexos


quando um homem não era gentil comigo, fosse cedendo lugar no ônibus, passagem no trânsito, no elevador eu pensava: credo!!! o que a mãe deste cara ensinou pra ele? tudo é guerra?
hoje penso que o cara tem lá suas razões.
os homens passaram a enxergar qualquer um como inimigo, especialmente as mulheres.
se observarmos os homens padrões e as mulheres padrões, as mulheres, pelo menos as que eu convivo, dão de mil nos homens.
eu não sou lésbica, não sou feminista, nem machista, mas convenhamos, quantos bananas você conhece? quantas mulheres bananas você conhece?
aparentemente as mulheres não precisam mais dos homens depois que inventaram os maridos de aluguel, que são aqueles caras que vêm na casa das mulheres solteiras para fazerem serviços tipicamente masculinos, não tô falando de sexo, tô falando de martelos, furadeira e afins.
se eu fosse homem também ia me sentir ameaçado pelas mulheres.
além da gente não precisar mais de homem a gente tem um poder sobre eles: temos só uma cabeça.
precisar a gente num precisa mais, mas que gosta gosta, e num vive sem.
ninguém tá querendo tirar o lugar de ninguém, só estamos querendo garantir o nosso.
apesar de não precisar, a gente gosta de cavalheirismo, gentileza, flores e paparico.
a gente gosta que cedam o lugar no trânsito.
a gente quer mostrar que somos fortes apesar de termos TPM (temporariamente perdidas e malucas).
enfim...sou mulher à moda antiga e adoro que os homens tenham lá suas funções...
a mulherada esvazia as funções dos homens e depois reclama que eles não são homens com H...
vai entender...

Paula Poc
Foto: George Alveskog

terça-feira, 2 de março de 2010

madrigal inebriante


muitos beijos
muita saudade
muita saliva
muita vontade
sentimento certo
querer estar perto
é vontade de crer
de aprender junto
puro crescer
lado à lado
paixão por um
expansão por outro
carinho para todos
amor que transborda
que não cabe em si
com sabor de retorno
porém sempre fresco

Paula Poc
Foto: George Alveskog